domingo, 9 de outubro de 2011

A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL E A AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Marcelo Machado Carvalho, advogado*

A lei federal n.º 7.347, de 24 de julho de 1985, instituiu e disciplina a Ação Civil Pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, por infração da ordem econômica e da economia popular e à ordem urbanística.

Com efeito, dispõe em seu artigo 5º, de rol taxativo, que são legitimados o Ministério Público, a Defensoria Pública, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, as autarquias, empresas públicas, fundações ou sociedades de economia mista ou associações.

Por sua vez, conquanto exista certo desinteligência quanto à natureza jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil em ser ou não uma autarquia, o Superior Tribunal de Justiça pacificou seu entendimento de que a OAB é uma autarquia federal, logo nos termos da lei acima possui legitimidade ativa ad causam[1].

Mas não somente por esse entendimento que é uma legitimada a propor Ação Civil Pública. A legitimação da Ordem dos Advogados através de seu Conselho Federal e Secionais advém expressamente dos artigos 54 e 57, ambos da lei n.º 8.906 de 04 de julho de 1994, Estatuto da OAB, in verbis:

“Art. 54, Compete ao Conselho Federal:”

inciso XIV ajuizar ação direta de inconstitucionalidade de normas legais e atos normativos, ação civil pública, mandado de segurança coletivo, mandado de injunção e demais ações cuja legitimação lhe seja outorgada por lei;”

“Art. 57. O Conselho Seccional exerce e observa, no respectivo território, as competências, vedações e funções atribuídas ao Conselho Federal, no que couber e no âmbito de sua competência material e territorial, e as normas gerais estabelecidas nesta lei, no regulamento geral, no Código de Ética e Disciplina, e nos Provimentos.”

Por sua vez, as Subseções somente poderão propor Ação Civil Pública por delegação da Secional da qual faça parte, tendo em vista que o artigo 45, § 3º, do Estatuto da OAB concede as Subseções apenas autonomia, mas não personalidade jurídica como fez para com o Conselho Federal e as Secionais, cabendo ao órgão que a criar, estabelecer sua competência através de resolução[2], senão vejamos[3]:

“Art. 45. São órgãos da OAB:”

“III as Subseções;”

“§ 3º As Subseções são partes autônomas do Conselho Seccional, na forma desta lei e de seu ato constitutivo.”

“Art. 60. A Subseção pode ser criada pelo Conselho Seccional, que fixa sua área territorial e seus limites de competência e autonomia.”

“inciso IV desempenhar as atribuições previstas no regulamento geral ou por delegação de competência do Conselho Seccional.”

Corroborando com o entendimento exposto quanto à legitimidade da Ordem, destacamos os ensinamentos de PAULO LUIZ NETTO LÔBO[4]:

“A ação civil pública é um avançado instrumento processual introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985 (com as alterações promovidas pelo Código de Defesa do Consumidor), para a defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos (por exemplo, meio ambiente, consumidor, patrimônio turístico, histórico, artístico). Os autores legitimados são sempre entes ou entidades, públicos ou privados, inclusive associação civil existente há mais de um ano e que inclua entre suas finalidades a defesa desses interesses. O elenco de legitimados foi acrescido da OAB, que poderá ingressar com a ação não apenas em prol os interesses coletivos de seus inscritos, mas também para tutela dos interesses difusos, que não se identificam em classes ou grupos de pessoas vinculadas por uma relação jurídica básica. Sendo de caráter legal a legitimidade coletiva da OAB, não necessidade de comprovar pertinência temática com suas finalidades, quando ingressa em juízo.”


Em suma, a Ordem dos Advogados do Brasil tem legitimidade ativa para ingressar com Ação Civil Pública, podendo, ainda, nos termos do artigo 8º da lei n.º 7.347/85, requerer as autoridades competentes certidões e informações para instruir seu pedido.

Mais que isso, a Ordem dos Advogados tem uma missão institucional, em especial "defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas."[5]

Desta forma, por prestar serviço público relevante, concluímos que é um poder-dever da Ordem dos Advogados do Brasil, por qualquer de seus órgãos, utilizar da Ação Civil Pública para manter sua missão definida por lei em prol de uma sociedade fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna [...][6].



[1] Ocorre que, recentemente, houve importante modificação no entendimento jurisprudencial quanto à matéria, com o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) 3026-DF, no Supremo Tribunal Federal, relator Min. Eros Grau, firmou-se o entendimento que a OAB não é pessoa jurídica de direito público, autarquia (nem mesmo de regime especial), não tendo qualquer vinculação com a administração pública indireta, garantindo-se, assim, sua independência na consecução de suas missões históricas e constitucionais (e por isso não se submetendo à regra do concurso público).

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA – AGRAVO REGIMENTAL – RECONSIDERAÇÃO DO DECISUM – OAB – PESSOA JURÍDICA QUE PRESTA SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. Trata-se de agravo regimental interposto contra decisão que declarou competente o Juízo de Direito da Vara Cível de Niterói - RJ para conhecer de mandado de segurança impetrado ISABELA ALVIM NARA ALBUQUERQUE contra ato do PRESIDENTE DA COMISSÃO DE EXAME DE ORDEM DA OAB - RJ, buscando provimento jurisdicional que autorize a participação da impetrante na segunda etapa do exame da OAB/RJ. Inconformada, a agravante defende a reforma do decisum, sustentando que o STF, no julgamento da ADI 3.026/DF, examinou questão em torno do regime jurídico aplicável aos funcionários da OAB, tendo consignado que o referido órgão de classe presta serviço público. Pugna pela declaração de competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da CF/88. DECIDO: (...) Verifica-se que a Suprema Corte, por meio da ADI 3.026/DF ajuizada pelo Procurador-Geral da República, foi instada a se posicionar sobre o regime jurídico dos funcionários da OAB e sobre a questão da necessidade de realização de concurso público para provimento dos cargos existentes na citada entidade de classe. Depreende-se da leitura do citado julgado, que o Supremo Tribunal não cuidou de definir de forma clara a real natureza jurídica da OAB, classificando-a como "serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro." (ADI 3026/DF, Rel. Min. Eros Grau, DJ 29/09/2006, p. 31). Dessa forma, entendo que deve ser mantida a orientação que prevalece nesta Corte, qual seja, de que a OAB detém natureza jurídica de autarquia federal, sendo, portanto, competente a Justiça Federal para conhecer da causa, nos termos do art. 109, I, da CF/88”. (grifou-se) (AgRg no CC nº 86.354/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, d. em 17/09/2008).

“A Ordem dos Advogados do Brasil - OAB ostenta legitimidade para ajuizar ação civil pública destinada à defesa de interesses individuais homogêneos de consumidores (art. 5º da Lei 7.347/85 c/c art. 44, I, da Lei 8.906/94 c/c art. 170, V, da Constituição). Precedente.” (TRF-1ª, AC 2004.39.305-3/PA, 5ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Moreira, DJ 14/06/2007);

[2] Regulamento Geral OAB: Art. 118. A resolução do Conselho Seccional que criar a Subseção deve: I – fixar sua base territorial; II – definir os limites de suas competências e autonomia; III – fixar a data da eleição da diretoria e do conselho, quando for o caso, e o início do mandato com encerramento coincidente com o do Conselho Seccional; IV definir a composição do conselho da Subseção e suas atribuições, quando for o caso.

[3] PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO COLETIVA. ILEGITIMIDADE DA SUBSEÇÃO DA OAB. TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA. ART. 54 DA LEI N. 8.906/94.1. As Subseções da OAB, carecendo de personalidade jurídica própria, não possuem legitimidade para propositura de ação coletiva. 2. A OAB (Conselho Federal e Seccionais) somente possui legitimidade para propor ação civil pública objetivando garantir direito próprio e de seus associados, e não de todos os munícipes. 3. Recurso especial provido (STJ – Resp 331.403 – RELATOR: MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA).

[4] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Comentários ao Estatuto da Advocacia. 2. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 1996, p. 203.

[5] Artigo 44 da lei 8.906/94.

[6] Preâmbulo da Constituição da República de 1988: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”

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