quinta-feira, 20 de outubro de 2011

INCONSTITUCIONALIDADE DAS MULTAS DE TRÂNSITO APLICADAS POR GUARDAS CIVIS MUNICIPAIS.

Autor: Marcelo Machado Carvalho, Advogado.

Não é de hoje que se questiona se guarda civil municipal pode exercer a fiscalização do trânsito e consequentemente aplicar multa a suposto infrator.

Em nosso Município (Ibiúna), a atribuição de fiscalização e autuação por infração de trânsito compete aos guardas civis municipais investidos na função de agentes de trânsito, que a exerce com zelo e competência.


Todavia, essa prática tem se demonstrado contrária a Constituição Federal, entendimento este exposto pelo Conselho Estadual de Trânsito – CETRAN, através de sua Deliberação 1, de 24-6-2005, que concluiu:


“Não têm competência os integrantes da Guarda Municipal para o exercício da função de agente de trânsito, por força do princípio específico do art. 144, § 8º da Constituição Federal de 1988, devendo cessar sua atividade nesse mister.”


Ainda, em parecer o próprio Conselho Estadual de Trânsito – CETRAN esclarece seu entendimento do qual destacamos:


“Restando pacificado o entendimento por aquele órgão colegiado no tocante a Guarda Municipal, o qual não discorda da jurisprudência dominante (decisões judiciais juntadas aos autos), de nada adiantará a utilização da Guarda Municipal na fiscalização de trânsito, uma vez que todos os recursos encaminhados em 2ª instância serão conhecidos e providos, havendo a possibilidade de grave prejuízo aos cofres públicos com a restituição dos valores pagos e repetição de indébito.”

Nesse particular, destacamos ainda as conclusões finais constantes do Parecer nº 256/2004/CGIJF de 12/03/2004, do Departamento Nacional de Trânsito - DENATRAN, emitido em razão de consulta da Polícia Militar do Estado de São Paulo (Processo Administrativo nº 80001.000904/2004-04):


"[...] a constituição Federal, em seu artigo 144, § 8º, ao conferir permissibilidade com vistas à constituição das Guardas Municipais pelos respectivos Municípios não excepcionalizou nenhuma outra forma de atividade além das previstas no dispositivo em tela [...].”


O parecer do CETRAN, escorado doutrinariamente nos estudos de JOSÉ AFONSO DA SILVA[1], esclarece pormenorizadamente que a Guarda Civil Municipal não tem competência constitucional para fiscalizar e autuar infratores de trânsito, pois “A Constituição apenas lhes reconheceu a faculdade de constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.”


Logo, não havendo previsão constitucional que lhe permita o exercício deste mister, tem-se como contrária à norma a prática de aplicação das multas de trânsito realizada por guarda municipal.
Ora! O silêncio proposital contido na Constituição não retrata o descaso ou omissão do constituinte, pelo contrário, o silêncio eloquente como é chamado, tem uma razão de ser, qual seja, não atribuir competência diversa da natureza jurídica das guardas municipais, evitando distorcer seu função institucional de zelar pelo patrimônio público.


Com efeito, essa incontornável limitação constitucional impede a concessão, por lei local, de competência para fiscalização do trânsito por guardas municipais.

O erro está na lei que atribuiu aos guardas municipais à função de agentes de trânsito, o que consequentemente torna nula a multa.


Em síntese, embora os guardas civis municipais de Ibiúna estejam investidos, por ato do Poder Público local, na função de agentes de trânsito, esta competência não lhes cabe, sendo inconstitucionais todas as multas que aplicou ou aplicar.


Cumpre destacar, que o próprio CETRAN já comunicou seu entendimento e orientou os Municípios do Estado a corrigirem tal falha, da qual apresentamos:

“Urge, portanto, aos municípios que possuam guardas municipais atuando na fiscalização de trânsito, a regularização de sua situação, direcionando-os para as atividades constitucionalmente previstas, de forma a se evitar futuros questionamentos judiciais acerca de sua inconstitucional utilização como agentes de trânsito.”


Desta forma, não é sem razão que muitos Municípios têm criado o cargo de agente de trânsito, este sim, competente para fiscalização e autuação de infração de trânsito, em respeito à orientação do CETRAN.


Por fim, espera-se que a administração pública local possa corrigir o erro que vem cometendo, pois toda impugnação que chegar ao CETRAN, órgão de 2ª instância de julgamento, declarará a multa nula e a cancelará, causando prejuízo ao Município, bem como trazendo insegurança jurídica com a desvalorização e desrespeito ao trabalho de seus guarda municipais, podendo, inclusive, sofrer ação judicial para restituição de valores pagos.

BIBLIOGRAFIA:


PARECER do CETRAN/SP sobre a inconstitucionalidade da atuação de guardas municipais como agente de trânsito.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo, Malheiros, 2001.

[1] "Os constituintes recusaram várias propostas de instituir alguma forma de polícia municipal. Com isso, os Municípios não ficaram com nenhuma específica responsabilidade pela segurança pública. Ficaram com a responsabilidade por ela na medida em que sendo entidade estatal não podem eximir-se de ajudar os Estados no cumprimento dessa função. Contudo, não se lhes autorizou a instituição de órgão policial de segurança e menos ainda de polícia judiciária. A Constituição apenas lhes reconheceu a faculdade de constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei. Aí certamente está uma área que é de segurança: assegurar a incolumidade do patrimônio municipal, que envolve bens de uso comum do povo, bens de uso especial e bens patrimoniais, mas que não é de polícia ostensiva, que é função exclusiva da Polícia Militar" (JOSÉ AFONSO DA SILVA. Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo, Malheiros, 2001, pp. 759/760).

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

STJ CONDENA CLÍNICA A PAGAR ECAD POR EXIBIÇÃO DE TV POR ASSINATURA






O Superior Tribunal de Justiça entendeu que a exibição de programas transmitidos por emissoras de TV a cabo em ambientes de frequência coletiva está sujeito ao pagamento de direitos autorais, mas afastou a multa de vinte vezes sobre o valor originariamente devido, que só pode ser cobrada em casos de comprovada má-fé e intenção ilícita de usurpar tais direitos.


O entendimento foi aplicado pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para isentar uma clínica pediátrica do pagamento da multa prevista no artigo 19 da Lei 9.610/98.


Condenada pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), a clínica recorreu ao STJ alegando que a mera captação de sinais de televisão enviados por emissora de TV a cabo não constitui fato gerador para tal pagamento, uma vez que a empresa de TV já recolhe percentual sobre a receita das assinaturas a titulo de direitos autorais. Segundo a clínica, tal procedimento caracteriza dupla cobrança.


O TJRJ entendeu que o pagamento é devido, pois a exibição dos programas televisivos produz beneficio indireto e valoriza os serviços oferecidos onerosamente pela clínica em razão do conforto propiciado aos pacientes, e aplicou a multa por violação da Lei Reguladora dos Direitos Autorais.


Acompanhando o voto do relator, ministro Aldir Passarinho Junior, a Turma reiterou que são devidos direitos autorais decorrentes de exibição de programas televisivos em ambientes de freqüência coletiva, como clinicas de saúde hospitais, hotéis, academias, bares, restaurantes e outros.


Entretanto, o ministro ressaltou em seu voto que a elevada multa em favor do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) não pode ser cobrada em qualquer situação indistintamente, já que sua aplicação demanda a existência de má-fé e intenção ilícita de usurpar os direitos autorais, o que não ficou comprovado no caso em questão. Assim, o pedido da clinica foi parcialmente acolhido apenas para afastar a aplicação da multa.


Recurso Especial nº 742426


Com informações da Coordenadoria de Editoria e Imprensa do STJ




http://www.juridicoemtela.com.br/wp/2010/03/03/stj-condena-clinica-a-pagar-ecad-por-exibicao-de-tv-por-assinatura/



domingo, 9 de outubro de 2011

A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL E A AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Marcelo Machado Carvalho, advogado*

A lei federal n.º 7.347, de 24 de julho de 1985, instituiu e disciplina a Ação Civil Pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, por infração da ordem econômica e da economia popular e à ordem urbanística.

Com efeito, dispõe em seu artigo 5º, de rol taxativo, que são legitimados o Ministério Público, a Defensoria Pública, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, as autarquias, empresas públicas, fundações ou sociedades de economia mista ou associações.

Por sua vez, conquanto exista certo desinteligência quanto à natureza jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil em ser ou não uma autarquia, o Superior Tribunal de Justiça pacificou seu entendimento de que a OAB é uma autarquia federal, logo nos termos da lei acima possui legitimidade ativa ad causam[1].

Mas não somente por esse entendimento que é uma legitimada a propor Ação Civil Pública. A legitimação da Ordem dos Advogados através de seu Conselho Federal e Secionais advém expressamente dos artigos 54 e 57, ambos da lei n.º 8.906 de 04 de julho de 1994, Estatuto da OAB, in verbis:

“Art. 54, Compete ao Conselho Federal:”

inciso XIV ajuizar ação direta de inconstitucionalidade de normas legais e atos normativos, ação civil pública, mandado de segurança coletivo, mandado de injunção e demais ações cuja legitimação lhe seja outorgada por lei;”

“Art. 57. O Conselho Seccional exerce e observa, no respectivo território, as competências, vedações e funções atribuídas ao Conselho Federal, no que couber e no âmbito de sua competência material e territorial, e as normas gerais estabelecidas nesta lei, no regulamento geral, no Código de Ética e Disciplina, e nos Provimentos.”

Por sua vez, as Subseções somente poderão propor Ação Civil Pública por delegação da Secional da qual faça parte, tendo em vista que o artigo 45, § 3º, do Estatuto da OAB concede as Subseções apenas autonomia, mas não personalidade jurídica como fez para com o Conselho Federal e as Secionais, cabendo ao órgão que a criar, estabelecer sua competência através de resolução[2], senão vejamos[3]:

“Art. 45. São órgãos da OAB:”

“III as Subseções;”

“§ 3º As Subseções são partes autônomas do Conselho Seccional, na forma desta lei e de seu ato constitutivo.”

“Art. 60. A Subseção pode ser criada pelo Conselho Seccional, que fixa sua área territorial e seus limites de competência e autonomia.”

“inciso IV desempenhar as atribuições previstas no regulamento geral ou por delegação de competência do Conselho Seccional.”

Corroborando com o entendimento exposto quanto à legitimidade da Ordem, destacamos os ensinamentos de PAULO LUIZ NETTO LÔBO[4]:

“A ação civil pública é um avançado instrumento processual introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985 (com as alterações promovidas pelo Código de Defesa do Consumidor), para a defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos (por exemplo, meio ambiente, consumidor, patrimônio turístico, histórico, artístico). Os autores legitimados são sempre entes ou entidades, públicos ou privados, inclusive associação civil existente há mais de um ano e que inclua entre suas finalidades a defesa desses interesses. O elenco de legitimados foi acrescido da OAB, que poderá ingressar com a ação não apenas em prol os interesses coletivos de seus inscritos, mas também para tutela dos interesses difusos, que não se identificam em classes ou grupos de pessoas vinculadas por uma relação jurídica básica. Sendo de caráter legal a legitimidade coletiva da OAB, não necessidade de comprovar pertinência temática com suas finalidades, quando ingressa em juízo.”


Em suma, a Ordem dos Advogados do Brasil tem legitimidade ativa para ingressar com Ação Civil Pública, podendo, ainda, nos termos do artigo 8º da lei n.º 7.347/85, requerer as autoridades competentes certidões e informações para instruir seu pedido.

Mais que isso, a Ordem dos Advogados tem uma missão institucional, em especial "defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas."[5]

Desta forma, por prestar serviço público relevante, concluímos que é um poder-dever da Ordem dos Advogados do Brasil, por qualquer de seus órgãos, utilizar da Ação Civil Pública para manter sua missão definida por lei em prol de uma sociedade fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna [...][6].



[1] Ocorre que, recentemente, houve importante modificação no entendimento jurisprudencial quanto à matéria, com o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) 3026-DF, no Supremo Tribunal Federal, relator Min. Eros Grau, firmou-se o entendimento que a OAB não é pessoa jurídica de direito público, autarquia (nem mesmo de regime especial), não tendo qualquer vinculação com a administração pública indireta, garantindo-se, assim, sua independência na consecução de suas missões históricas e constitucionais (e por isso não se submetendo à regra do concurso público).

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA – AGRAVO REGIMENTAL – RECONSIDERAÇÃO DO DECISUM – OAB – PESSOA JURÍDICA QUE PRESTA SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. Trata-se de agravo regimental interposto contra decisão que declarou competente o Juízo de Direito da Vara Cível de Niterói - RJ para conhecer de mandado de segurança impetrado ISABELA ALVIM NARA ALBUQUERQUE contra ato do PRESIDENTE DA COMISSÃO DE EXAME DE ORDEM DA OAB - RJ, buscando provimento jurisdicional que autorize a participação da impetrante na segunda etapa do exame da OAB/RJ. Inconformada, a agravante defende a reforma do decisum, sustentando que o STF, no julgamento da ADI 3.026/DF, examinou questão em torno do regime jurídico aplicável aos funcionários da OAB, tendo consignado que o referido órgão de classe presta serviço público. Pugna pela declaração de competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da CF/88. DECIDO: (...) Verifica-se que a Suprema Corte, por meio da ADI 3.026/DF ajuizada pelo Procurador-Geral da República, foi instada a se posicionar sobre o regime jurídico dos funcionários da OAB e sobre a questão da necessidade de realização de concurso público para provimento dos cargos existentes na citada entidade de classe. Depreende-se da leitura do citado julgado, que o Supremo Tribunal não cuidou de definir de forma clara a real natureza jurídica da OAB, classificando-a como "serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro." (ADI 3026/DF, Rel. Min. Eros Grau, DJ 29/09/2006, p. 31). Dessa forma, entendo que deve ser mantida a orientação que prevalece nesta Corte, qual seja, de que a OAB detém natureza jurídica de autarquia federal, sendo, portanto, competente a Justiça Federal para conhecer da causa, nos termos do art. 109, I, da CF/88”. (grifou-se) (AgRg no CC nº 86.354/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, d. em 17/09/2008).

“A Ordem dos Advogados do Brasil - OAB ostenta legitimidade para ajuizar ação civil pública destinada à defesa de interesses individuais homogêneos de consumidores (art. 5º da Lei 7.347/85 c/c art. 44, I, da Lei 8.906/94 c/c art. 170, V, da Constituição). Precedente.” (TRF-1ª, AC 2004.39.305-3/PA, 5ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Moreira, DJ 14/06/2007);

[2] Regulamento Geral OAB: Art. 118. A resolução do Conselho Seccional que criar a Subseção deve: I – fixar sua base territorial; II – definir os limites de suas competências e autonomia; III – fixar a data da eleição da diretoria e do conselho, quando for o caso, e o início do mandato com encerramento coincidente com o do Conselho Seccional; IV definir a composição do conselho da Subseção e suas atribuições, quando for o caso.

[3] PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO COLETIVA. ILEGITIMIDADE DA SUBSEÇÃO DA OAB. TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA. ART. 54 DA LEI N. 8.906/94.1. As Subseções da OAB, carecendo de personalidade jurídica própria, não possuem legitimidade para propositura de ação coletiva. 2. A OAB (Conselho Federal e Seccionais) somente possui legitimidade para propor ação civil pública objetivando garantir direito próprio e de seus associados, e não de todos os munícipes. 3. Recurso especial provido (STJ – Resp 331.403 – RELATOR: MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA).

[4] LÔBO, Paulo Luiz Netto. Comentários ao Estatuto da Advocacia. 2. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 1996, p. 203.

[5] Artigo 44 da lei 8.906/94.

[6] Preâmbulo da Constituição da República de 1988: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”